sábado, 27 de novembro de 2010

Capítulo 1

Ela ajoelhou no confessionário. Não que ligasse, pra Deus, pro padre, ou pra qualquer outra coisa que o valha. Mas porque era o jeito melhor de contar pra alguém. E ela tinha que contar que, naquele dia, finalmente, ela ia matar o marido.
Verdade que ele era uma porcaria de marido. Mas não ia morrer por isso. Verdade também que as mulheres da sua família não deveriam ter tido filhos, mas isso era outra história com a qual o seu marido nada tinha. Foi assim, de repente, numa tarde de calor infernal, de suor escorrendo na barriga e nas costas, de desconforto melecado. Ela olhou o pé, olhou as unhas e decidiu: ia matar o marido. Assim como quem decide que vai fazer uma viagem no próximo feriado. Sem raiva, sem ressentimento.
Apenas porque a vida devia ser mais que um simples suceder de acontecimentos. Mas que um relógio marcando tempo na parede. Mais que o horror de existências mesquinhas. Uma pessoa não podia ser nada. Uma pessoa era alguma coisa. Uma pessoa tinha que fazer alguma coisa que, mesmo que não pudesse ser escrita na sua lápide, pudesse ser lembrada por alguém. Nem que esse alguém fosse o padre. O padre ia lembrar dela, ia saber que a vida dela não foi tão idiota, porque ela matou o marido com vidro moído.
Sua vida não se reduziria à barbárie de um ser que só pensa em si mesmo, e que assim faz girar a roda, que cria o pão, amassa o pão, reparte o pão e sustenta o mundo. Por ambição, não por caridade o mundo era sustentado. Funciona. Claro que foram generosos os anos com Maria Camila e o marido. Generosos os anos com os filhos dele. O dela e os outros. Mas agora ia acabar-se. Ah, ia acabar-se tudo. Não era por dinheiro, nem por amor, nem por raiva.
Tédio, enfado da mediocridade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.