terça-feira, 14 de junho de 2011

De desastres - 3

"É verdade que nem eu mesma sabia ao certo o que fazia, minha vida era invisível. Mas eu sentia que meu papel era ruim e perigoso: impelia-me a voracidade por uma vida, vida real que tardava, e pior que inábil. Só Deus perdoaria o que eu era porque só Ele sabia do que me fizera e para o quê. Eu me deixava, pois, ser matéria d'Ele. Ser matéria de Deus era a minha única bondade. E a fonte de um nascente misticismo. Não misticismo por Ele, mas pela matéria d'Ele, mas pela vida crua e cheia de prazeres: eu era uma adoradora. Aceitava a vastidão do que eu não conhecia e a ela me confiava toda, com segredos de confessionário. Seria para as escuridões da ignorância que eu seduzia? e com o ardor de uma freira na cela. Freira alegre e monstruosa, ai de mim. E nem disso eu poderia me vangloriar: todos nós éramos igualmente monstruosos e suaves, ávida matéria de Deus."

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