sexta-feira, 10 de junho de 2011

E assim foi-se

"Meu nome, minha identidade, meu retrato. Minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. Meus cartões de visita. Todos os papéis onde eu escrevera meu nome.
Minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. A medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. Minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.
Meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Meus testes mentais, meus exames de urina.
Na estante todos os meus livros de poesia. Meus livros de prosa as citações em verso. No dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.
Os utensílios de meu uso: pente, escovas, tesouras de unhas. O uso de meus utensílios.
As frutas postas sobre a mesa. A água dos copos. O pão de propósito escondido. As lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.
Os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.
Minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos. A menina esquiva, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras.
Até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. As futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.
Minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte."

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